1- Ciência e Religião - As Origens


A mitologia foi a base das atuais religiões que, com uma roupagem nova, apresenta novos mitos. Observando os últimos 3 mil anos da nossa curta história e considerando algumas épocas específicas, a relação entre as religiões e a ciência não foi muito amigável. Alguns consideram que, com a interferência das igrejas, aparentemente a religião teve um efeito inibidor sobre as ciências. Mas, as ciências modernas tiveram suas raízes dentro das doutrinas religiosas, onde podemos verificar que grandes astrólogos, matemáticos e físicos, homens religiosos, foram capazes de chegar a resultados que promoveram a ampliação do conhecimento humano. Assim considerando, podemos notar que a religião, em vez de inibir o desenvolvimento da ciência, indiretamente, pode ter estimulado.
Entretanto, ao analisarmos o desenvolvimento da ciência e da religião de forma cronológica, observamos que até 600 a.C. a religião primitiva se desenvolveu com o mínimo de desenvolvimento das ciências. Entre 600 a.C. e 400 d.C., principalmente pelo aparecimento da filosofia grega, a religião exerceu menor influência sobre as ciências, que apresentaram um maior desenvolvimento. De 400 d.C. até cerca do ano 1500, com o apogeu do cristianismo ocorreu uma direta influência sobre as ciências, que foi retraída. De 1500 a 1900, com o renascimento, a religião perdeu força e a ciência deu um grande salto. Após 1900 a religião enfraqueceu ainda mais com pouca intervenção no pensamento humano, promovendo um grande desenvolvimento das ciências.
Podemos considerar que religião e ciência são sistemas diferentes de compreensão e interpretação do mundo. Considerando a Origem do Universo, a ciência utilizando a cosmologia moderna acredita no Big Bang como a origem do Universo, enquanto a doutrina cristã de criação atualmente segue o mesmo conceito, apenas incluindo a mão de Deus nesta criação. Mas não foi sempre assim. Apenas com o passar do tempo, com muito sangue derramado e a redução do poder das Igrejas, as explicações da ciência sobre as origens ganharam aceitação coletiva na cultura ocidental. Entretanto, no ponto de vista de um indivíduo religioso, as doutrinas dos livros sagrados de criação não são apenas imaginações simbólicas dos eventos cósmicos, continuam sendo importantes passos para a origem do Universo.
A base da aceitação científica ou religiosa está na formação do indivíduo. Se este tiver uma forte formação religiosa, poderá acreditar que o conceito religioso é o verdadeiro caminho a ser seguido. Da mesma forma, considerando um aluno que começa a sua formação universitária na área de astrofísica e, portanto, sem a competência de negar as teorias que seus professores apresentam, ele tem que aceitar os conceitos impostos e ter certeza que estes levam à grande verdade. Ambos os conceitos, científico e religioso, são tão abstratos, que não lhe resta outra opção a não ser “crer” nas informações que são passadas e no que está escrito nos livros.
Obter informação não está relacionado a levantar bandeiras. Devemos ser conscientes e racionais na tentativa de poder segregar o que é certo do errado ou do radicalismo. Mas existem pessoas doutrinadas ao extremo que, como no passado “negro”, utilizam os textos sagrados como o único caminho da verdade. Um exemplo são os criacionistas radicais que seguem a Bíblia como se fosse um livro científico, chegando a alegar que a Teoria da Evolução das espécies é um absurdo, uma fraude com o objetivo de contradizer o que está escrito na Bíblia. Estes radicais acreditam até que possa existir uma conspiração no meio científico, com raízes provavelmente no iluminismo e positivismo. Como podem questionar a evolução das espécies, uma ciência tão discutida e frequentemente testada, se acreditam que a Terra possui menos de 10 mil anos, em Adão e Eva e no Dilúvio Global?
Acreditar, como fazem os criacionistas radicais, é simplesmente uma lamentável ignorância, quase uma doença impregnada pela educação religiosa imposta desde criança, criando um mundo de demônios e de pecados. É um grande privilégio entender quem somos e de onde viemos e extrapolar para onde podemos ir, principalmente após a publicação do livro de Charles Darwin, “A Origem das espécies”, que nos transportou ao conhecimento de cerca de 3,5 bilhões de anos de vida no nosso planeta, com modificações de forma lenta e gradual, mostrando o nosso parentesco com toda a vida neste planeta, principalmente quando comparado à interpretação literal absurda do Gênesis bíblico.
As mudanças de conceitos são fundamentais. Podemos observar o quanto a crença radical da igreja teve que se submeter aos resultados concretos da ciência, mesmo com tantos sofrimentos impostos na tentativa de se manter, a qualquer custo, os seus dogmas. A Terra não é plana e nem o Universo é finito. A abiogênese foi substituída pela biogênese. A Terra não surgiu há 10 mil anos, mas de acordo com dados biológicos, geológicos e físicos, passam de 4 bilhões de anos e melhor, vem mudando e se desenvolvendo ao longo do tempo. Darwin mostrou de forma simples e inconteste a evolução biológica, onde os seres vivos são muito mais antigos do que pensavam e estão na forma que existem hoje devido a uma constante seleção natural, onde só sobrevivem os mais adaptados. Nossos oceanos e continentes não são fixos, mas estão em contínuo movimento delineando a forma do nosso planeta. Portanto, da simples singularidade, da formação do hélio e do hidrogênio até às estrelas e às galáxias, à formação do Sistema Solar e da Terra, ao aparecimento da vida  e à recente fase cultural da nossa espécie, são resultados fascinantes. Os estudos continuam em uma progressão geométrica e adequações de conceitos deverão ocorrer, fato que considero motivador para as nossas vidas.
Segundo Paul Brockelman no seu livro “Cosmologia e Criação”, esta tremenda mudança ocorrida em tempo tão curto foi um choque para a nossa cultura e pode, em última análise, levar a uma transformação e um desenvolvimento moral e espiritual importante. No livro “The Rebirth of Nature: The Greening of Science and God”, do biólogo Rupert Sheldrake, a velha cosmologia do mundo máquina, com o engenheiro divino foi superada pela ciência. Isto altera completamente o contexto em que se pode conceber a relação entre Deus e a natureza, porque se o cosmos inteiro é mais como um organismo em desenvolvimento do que uma máquina eterna, então o Deus do mundo máquina está simplesmente obsoleto.
É bom lembrar de Tomás de Aquino, um padre dominicano do século XIII que, ao contrário dos criacionistas atuais, não pensava no Gênesis bíblico como uma dificuldade para as ciências naturais, porque considerava que a Bíblia não era um manual científico. As escrituras deveriam ser estudadas evitando as armadilhas de uma interpretação estritamente literal do texto. Para Tomás, o sentido literal da Bíblia incluía metáforas, comparações e outros modos de expressão úteis para acomodar a verdade bíblica à compreensão dos leitores. Com o exemplo deste padre inteligente, os religiosos radicais, seguindo os seus mais puros conceitos religiosos, deveriam pensar que Deus criou a vida e, de forma criativa, permitiu a capacidade de evolução. Assim temos um exemplo de harmonia entre as ciências e a religião. Segundo Menas Kafatos e Robert Nardeau, no livro “The Concious Universe”, a ciência não argumenta de modo algum contra a existência de Deus, apenas aumenta profundamente o senso do cosmos como um todo significante.
Enquanto a religião se baseia em mistérios não resolvidos, a ciência busca fatos, faz experimentos e abre discussão sobre seus resultados. Como sabemos de tantas coisas sobre o Universo, a Terra e a vida? A resposta é simples e curta: evidências. Milhares de evidências que se interligam são usadas para a compreensão do funcionamento de tudo, e o mais bonito é entender que outra pessoa pode chegar a um resultado diferente do seu e, com harmonia, poder ampliar ou modificar sua hipótese. Richard Dawking cita um bom exemplo: Um velho professor acreditava em uma hipótese durante anos. Certa vez um jovem pesquisador visitou este professor e derrubou completamente a sua hipótese. O professor deu um passo à frente e disse: ”Meu caro colega, quero lhe agradecer. Eu estive enganado por 15 anos!”. Este é o ideal científico, mostrando aquele que investiu quase uma vida em uma hipótese, ficando feliz em alguém ser capaz de lhe mostrar que estava errado e ver que a verdade científica tinha avançado.
A base das origens está no Universo e encontrar uma resposta para seu início se torna desafiador. O caminho que cada pessoa escolhe depende de quem está fazendo a pergunta. Portanto, uma pessoa religiosa radical vai procurar respostas dentro do contexto exclusivo de alguma religião, que pode ser tanto uma religião organizada como uma versão mais pessoal. O ateu tentará achar uma resposta dentro de um contexto exclusivamente científico. Entretanto, existem pessoas religiosas e inteligentes o bastante para buscar tanto as respostas religiosas quanto as científicas e interagi-las, como existem ateus que são capazes de conviver bem com os conceitos religiosos. Desta forma, o mais adequado e prudente seria pensar na harmonia e usar a racionalidade, mantendo a religião e a ciência, no mesmo sentido, estritamente coligadas, divergindo apenas em poucos conceitos sobre a origem do tipo de Universo em que vivemos.
A ciência tem a finalidade de buscar respostas para nossas dúvidas propondo hipóteses e teorias, e se possível, testar e refazer experimentos que devem ser amplamente discutidos entre pessoas capazes de ampliar os resultados. A religião deve garantir um apoio emocional, paz e conforto no sentido de criar um caminho para se atingir a dignidade do homem e da sociedade, sem esquecer o propósito fundamental da mitologia de criação que é ajudar a entrar em sintonia e harmonia com a realidade sagrada maior, neste caso, o próprio Universo. Assim, um bom pesquisador poderá ser também um ótimo religioso sem ter arestas ou farpas para se ferir ou ferir alguém.
Religioso ou não, somos curiosos e queremos sempre mais respostas, como por exemplo, quando ocorreu o início do Universo? Muitas hipóteses foram lançadas, evidenciando algumas mais plausíveis e outras de difícil aceitação. Da mesma forma, como aceitar um dogma?  Aceitar que um determinado Deus é onipotente devido a uma escritura que não reflete a crença da humanidade como um contexto geral, é ser muito parcial. Se considerarmos exclusivamente a Bíblia como “a bola da vez”, vamos esquecer os mesopotâmios, onde o Deus Marduk venceu os demais deuses e dividiu o corpo de Tiamat, separando o céu da Terra e produziu o primeiro homem, usando o sangue do monstro derrotado; vamos descartar a crença dos sumérios e babilônios que acreditavam que a criação era representada como um processo de procriação, onde os deuses seriam elementos naturais que formaram o Universo. Vamos enterrar o budismo onde não existe um Deus e o Universo tal como é simplesmente sempre foi assim "desde o tempo sem início". Descartar os mitos védicos, onde o criador do mundo, Purusha, nasce  do ovo cósmico. Não considerar a cosmogonia milenar hindu, onde o Deus supremo, Vishnu, repousa sobre uma serpente cósmica sem fim e que, do seu umbigo, sai a flor de lótus e dela emerge Brahma, o Deus criador, o princípio absoluto de tudo.
Temos, ainda, que lembrar das tribos indígenas e outros povos que acreditam na origem do céu e da Terra de formas variadas. Como acreditar na Bíblia como uma verdade única? Aceitar um livro que foi escrito por homens e que rege os cristãos com cerca de 2 bilhões de seguidores no mundo, é um desrespeito aos outros 4 bilhões de pessoas com outras crenças. Não podemos criar uma situação de estarmos certos e o resto estar errado.
Agora vamos desmembrar a pergunta sobre o início do Universo em duas, onde poderemos ter: O que existia antes do Big Bang? E da mesma forma, o que existia antes de Deus ou dos deuses? Segundo a ciência, existem várias hipóteses para o momento antes da criação do Universo, mas utilizando os nossos conhecimentos científicos, ainda não é possível chegar a uma conclusão. Da mesma forma, não é possível provar a existência de um Deus. Assim, só podemos saborear um grande nada. É importante registrar que aqui não é questionada a fé, a força que consola e acalenta e sim a doutrina que não pode ser unilateral.
Somos muito pequenos diante da imensidão do Universo, pequenos “grãos de areia” no cosmos, mas este pequeno planeta é a nossa casa, a nossa moradia. Nossos conhecimentos limitam-se à nossas capacidades criativas do momento. Estamos progredindo e ainda não sabemos onde podemos chegar. Quais são os limites? Nossas crenças passam de simples mitologias às religiões organizadas que não passam de velhas mitologias maquiadas. Quais religiões vão surgir? Estamos em um momento da evolução universal, podemos ver o passado e estudá-lo. E o futuro? A “Deus” pertence? Eu ainda me sinto um garoto olhando para o céu no jardim de minha casa, buscando entender a lacuna que ainda existe entre o céu e a Terra.
Edson Perrone