2- O Dilúvio



Não é comum, mas aparecem alunos que me questionam sobre a origem dos seres vivos e a sua evolução. Logo percebo que o questionamento está relacionado às suas bases religiosas que não aceitam a origem gradual das espécies e sim o fiximo conforme descrito na Bíblia. Eu não tenho o menor interesse em mudar o ponto de vista do aluno, só tenho a obrigação de mostrar como a ciência aceita os fatos, porque é desta forma que será cobrado nas provas que ele vai fazer.
O debate é sempre interessante. Tento absorver o máximo possível o ponto de vista de cada aluno para entender até onde existe sentido ou radicalismo. Depois busco outras fontes “confiáveis” para poder rechear meu conhecimento. Associo os dados e tento uma solução para o problema (muitas vezes crio mais problemas). Sempre tento entender o lado radical religioso e explicá-lo utilizando o meu lado científico na expectativa de criar discussão e ampliar conhecimentos.
De fato considerar a evolução das espécies e a Arca de Noé no contexto do Dilúvio Global é muito difícil, embora os criacionistas digam o contrário. Para começar, vamos analisar o Gênesis (6-9), onde podemos resumir o Dilúvio assim: A humanidade tomou um caminho pecador que desagradava Deus, que então tomou uma decisão de inundar a Terra e destruir quase toda vida. Deus viu em Noé um virtuoso homem, inocente entre o povo de seu tempo e decidiu que este iria preceder uma nova linhagem humana. Deus disse a Noé para fazer uma Arca e levar com ele a esposa e seus filhos Shem, Ham e Japheth, e suas esposas. Além disso, disse para trazer exemplares de todos os animais e aves, machos e fêmeas. A fim de fornecer seu sustento, disse para trazer e armazenar alimentos. Noé, sua família e os animais entraram na Arca e a chuva caiu sobre a terra por quarenta dias e quarenta noites. A inundação cobriu até as mais altas montanhas por mais de seis metros, e todas as criaturas morreram; apenas Noé e aqueles que estavam na Arca ficaram vivos.
Depois de aproximadamente 7 meses e 17 dias, a Arca encalhou sobre o Monte Ararat. As águas começaram a diminuir e os topos das montanhas emergiram no primeiro dia do décimo mês. Somente depois de 40 dias Noé abriu a clarabóia (um tipo de janela) e enviou um corvo que ia e vinha por não ter encontrado terra firme para pousar. Posteriormente, Noé enviou uma pomba, mas ela retornou à Arca sem ter encontrado nenhum lugar para pousar. Depois de mais sete dias, Noé novamente enviou a pomba e ela voltou com uma folha de oliva no seu bico e então ele soube que as águas tinham diminuído. Noé esperou mais sete dias e enviou a pomba mais uma vez, e desta vez ela não retornou, confirmando que a terra estava seca. Em seguida, ele e sua família e todos os animais saíram da Arca e Noé fez um altar para Deus e sacrificou animais e aves de toda espécie pura. Portanto, toda a odisséia de Noé levou mais de um ano para poder pisar em terra firme.
Vários outros povos citam um tipo de dilúvio. Os estudiosos contam mais de 288 histórias antigas de dilúvio, e todas com uma base comum: há uma grande catástrofe promovida por uma grande ofensa dos homens contra a divindade. Esta constatação é uma base para os criacionistas confirmarem a possibilidade do Dilúvio Global ter acontecido. Entretanto, não podemos esquecer que grandes inundações ocorrem em todas as partes da Terra e são catástrofes que ficam registradas nas mitologias e modificadas de acordo com a necessidade de cada povo. Lembro-me de uma grande enchente que ocorreu em 1979 no sudeste do Brasil e que até hoje os ribeirinhos de determinadas localidades contam, com muito exagero, que as águas subiram até cobrir as árvores e os morros matando todos os animais, portanto, o seu mundo sofreu um dilúvio.

Um problema de registro
Voltando ao Gênesis, o Dilúvio Bíblico aconteceu quando Noé tinha 600 anos de idade, e considerando que a Terra foi criada em 4004 a.C., conforme acreditam os criacionistas, o Dilúvio ocorreu cerca de 2400 a.C. Nesta data não existe registro histórico de um dilúvio pelos egípcios, pelos fenícios, pelos gregos e nenhuma outra cultura. Os registros históricos de civilizações tão antigas como a da China ou os habitantes do Vale do Indo não mostram nenhum período de tempo em que estas civilizações houvessem sido destruídas subitamente por uma inundação global, para serem repovoadas de forma lenta posteriormente. Simplesmente não há nenhuma evidência de nenhum tipo, seja da arqueologia, geologia ou história, que indique uma inundação de nível global que tenha destruído todas as pessoas, exceto oito. Desta forma, é lógico que não demorou muito para que o Dilúvio Global sofresse questionamentos e pressões, quando se tornou claro que um simples evento como o dilúvio não poderia explicar as descobertas científicas, principalmente, considerando a aparente progressão de fósseis em diferentes camadas de rochas, onde, a cada camada, fósseis mais primitivos que os da camada acima eram achados. Como poder explicar a descoberta de fósseis pré-diluvianos com tantas semelhanças com os animais atuais?

O problema da inundação
            Outro grande problema a ser discutido é o volume da água para tal enchente. Segundo o texto bíblico, a Terra foi coberta pela água da chuva, incluindo-se os montes. Existe água em suspensão na atmosfera para cobrir os todos os montes? Se utilizarmos toda a água da superfície do planeta para ser depositada sobre o solo, teríamos uma inundação que não chegaria a 3 cm de profundidade. Ainda seguindo este raciocínio, se considerarmos que, por uma ação divina, a chuva caiu apenas sobre a terra firme, que corresponde a cerca de 30% da superfície do planeta e nela ficou empoçada, a profundidade máxima desta inundação seria menor que 9 cm. Vamos agora imaginar uma inundação restrita onde existia a humanidade, portanto, em uma parte do Oriente Médio, considerando Israel, Palestina, Líbano, Jordânia, Iraque, Turquia, Síria, Arábia Saudita, Irã, Egito, teríamos uma inundação de cerca de 2 m de profundidade. Se considerarmos a narrativa bíblica e que a enchente ocorreu nos territórios do Iraque, Síria, Turquia, Jordânia, Palestina, Israel e Líbano, mesmo sendo difícil estabelecer esse cenário com precisão, teríamos uma inundação de cerca de 8 metros e meio. Embora existisse a possibilidade de morrerem afogados nesta água, Isto ainda está muito longe de atingir o que está descrito na Bíblia, mesmo que consideremos as áreas montanhosas.
Segundo os criacionistas, uma possibilidade para ocorrer a inundação conforme a Bíblia está relacionada com a água contida nos oceanos. Se a Terra fosse totalmente plana, sem montanhas ou bacias oceânicas, ela seria coberta por uma camada de água com 3 km de profundidade. Portanto, existe água suficiente para inundar a Terra. Podemos incluir a água que está na atmosfera e uma quantidade desconhecida de água que poderia ser subterrânea. Ainda é possível considerar que a água suficiente para o dilúvio tenha sido incrementada pela colisão de um ou mais cometas. Sinceramente acho que as possibilidades apresentadas pelos criacionistas é forçar a barra. Achar que todo conhecimento geológico adquirido durante tantos anos é uma brincadeira, ou melhor, é uma conspiração para contradizer os escritos bíblicos, como se todos os pesquisadores do mundo estivessem preocupados com o que pensam os criacionistas, ou tivessem um único propósito: acabar com a Igreja. Como podemos aceitar uma condição de Terra plana para ter o volume de água necessário para o dilúvio bíblico? Será que na época não existiam lagos, mares, rios, vales e montanhas? Será que antes do dilúvio Deus mandou fazer ou fez uma terraplanagem global? Se a Terra fosse plana, como Moisés poderia receber as tábuas com os dez mandamentos Monte de Horebe, na Península do Sinai?
Como resposta, os criacionistas acreditam no "firmamento de vapor" prévio ao Dilúvio, que rodeava a terra. Henry Morris no seu livro “Scientific Creationism” disse: "Se houve no começo, um vasto manto termal de vapor d'água em algum lugar sobre a troposfera, então não apenas o clima seria afetado, como também seria uma fonte adequada para explicar as águas atmosféricas necessárias para o Dilúvio". Entretanto, não existe a menor evidência científica que indique que tal firmamento já existiu alguma vez (exceto na descrição do Gênesis), existindo boas razões para duvidar que pudesse ter existido. A difusão é um fenômeno físico tão evidente que jamais permitiria uma massa de vapor ficar concentrada por muito tempo em algum local, portanto, todo vapor de água tende a se mover desde áreas de alta concentração até áreas de baixa concentração, impedindo a formação de um cinturão atmosférico de vapor de água, a menos que se impedisse sua difusão por meio de uma barreira impermeável. Outro problema para a formação desta camada de vapor de água está relacionado com sua provável destruição por células de convecção, produzidas por ar quente ascendente do Equador que é substituído por ar polar, mais frio. Não podemos esquecer da pressão atmosférica que é provocada pelo peso dos gases da atmosfera pressionados sobre a superfície da terra. O vapor de água seria muito pesado e uma camada de vapor como a que postulam os criacionistas produziria uma pressão atmosférica ao nível do mar de cerca de 900 atmosferas, aproximadamente igual à pressão que há no mar nas regiões abissais. Noé e sua Arca, sem esquecer de qualquer ser vivo, teriam sido esmagados pelas extremas pressões atmosféricas antes que pudessem navegar. Mas não acaba aí. Segundo Arthur Strahler, no seu livro “Science and Earth History: The Creation/Evolution Controversy“, com a condensação desta camada de vapor para formar água líquida, seria liberado calor. Considerando a quantidade de vapor de água suficiente para produzir uma inundação global, teria liberada uma enorme quantidade de energia calorífica que poderia ultrapassar os 3.000°C, fervendo o oceano e a Arca. John Whitcomb e Henry Morris no livro “The Gênesis Flood”, incapazes de explicar qualquer um desses problemas, apenas concluem: “É óbvio que a abertura das comportas do céu, para que as águas que estavam sobre o firmamento caíssem sobre a terra, e a ruptura de todas as fontes do grande abismo foram atos sobrenaturais de Deus”. Como veremos muitas e muitas vezes, sempre teremos um final de discussão colocando Deus como o culpado, sem qualquer condição de continuidade de discussão, portanto, foi assim porque foi.

A construção da Arca
Outro argumento muito forte da impossibilidade de ter existido a passagem do Dilúvio conforme descrito literalmente na Bíblia está relacionado à construção da Arca para abrigar todos os animais e a família de Noé. De acordo com a Bíblia, a Arca tinha dimensões de 300 cúbitos por 50 cúbitos por 30 cúbitos de altura (convertendo em metros teremos, aproximadamente 135 x 22,5 x 13,5) o que representa uma embarcação enorme, provavelmente, o maior navio construído até então na região. A partir do ano de 1900, portanto 4.000 anos depois de Noé e sua Arca, é que a tecnologia naval permitiu a construção de navios de madeira que apenas remotamente se aproximavam do suposto tamanho da Arca. Esses navios só podiam ser usados em águas costeiras porque não podiam sobreviver em mar aberto. A insegurança desses navios para travessias marítimas foi a principal razão pela quais as forças navais do mundo passaram aos barcos de aço antes da Primeira Guerra Mundial. Lembre-se que a Arca tinha que sobreviver em mar aberto durante uma inundação catastrófica. Mas, por milagre, como qualquer explicação final dos criacionistas, limitando-se à fé, vamos aceitar que a Arca foi construída por Noé e seus três filhos (outro milagre!).

A ocupação da Arca
Segundo Gênesis (7), Deus disse a Noé: “Entre na Arca com toda a sua família, porque você é o único justo que encontrei nesta geração. Tome sete pares, o macho e a fêmea, de todos os animais puros; tome um casal, o macho e a fêmea, dos animais que não são puros; e tome também sete pares, macho e fêmea, das aves do céu, para perpetuarem a espécie sobre toda a Terra”. Com o mínimo de bom senso não havia espaço suficiente na Arca. Mas os criacionistas, aparentemente sem conhecer direito a biodiversidade da Terra, as complexas relações entre espécies e a fisiologia de cada animal para a condição mínima de sobrevivência, apresentam uma justificativa. Ufa! Aceitam que não poderia entrar todos os animais na Arca. A Arca foi projetada para incluir apenas vertebrados terrestres, aqueles que caminham sobre a terra e respiram através de narinas (Gênesis 7:22). Isso não inclui animais marinhos, vermes, insetos e plantas.
Só para ter uma visão simples do problema, vamos observar a tabela abaixo obtida no trabalho de Paglia, Bérnilis e Develey: “A luta pela proteção dos vertebrados terrestres”. Portanto, no mundo existem mais de 30 mil espécies de vertebrados (anfíbios até mamíferos) com características morfológicas diversificadas, ocupando uma ampla gama de ambientes.

GRUPO
NO BRASIL
NO MUNDO
Anfíbios
875
6.200
Répteis
721
8.750
Aves
1.834
9.991
Mamíferos
680
5.416
Total
4.092
30.357

É bom lembrar que os dados apontados são os animais vertebrados catalogados, portanto, aqueles conhecidos pela ciência e registrados até alguns anos atrás, além de termos que considerar que estes animais estão aos pares na Arca, dobrando a capacidade da embarcação. Outro aspecto significante seria saber como os invertebrados, principalmente dos insetos e aracnídeos (que possuem a totalidade de sua biodiversidade até hoje desconhecida), puderam sobreviver fora da Arca por cerca de um ano? Aqueles com asas, voando? Os demais caminhando sobre as águas?
Agora já imaginaram a logística para manter estes animais na Arca? Como foi possível a alimentação de toda a fauna e a família de Noé por cerca de um ano exclusivamente no interior da Arca? Segundo os criacionistas, estas questões não são discutidas na Bíblia. O alimento foi aparentemente guardado na Arca (Gênesis 6:21-22). O Deus que revelou a vinda do dilúvio instruiu Noé sobre como preparar a Arca e dirigiu os animais para a Arca, certamente cuidou da "logística" necessária para o cuidado deles. Voltamos à velha questão: Deus fez! Foi assim porque foi! Só para ver a impossibilidade desta logística, se considerarmos um casal de ruminantes como o boi e a vaca que se alimentam com cerca de 40 kg de capim por dia, em um ano teriam que consumir cerca de 14 toneladas e 600 kg (e só consideramos um casal). Agora vamos considerar um casal de carnívoros, como os leões. Só para se manter vivo, o casal deveria consumir cerca de 10 kg de carne por dia, portanto, em um ano isolados na Arca devorariam cerca de 3.650 kg de carne que deveria ser mantida congelada. Será que a Arca tinha um frigorífico?
Devemos ser razoáveis e fazer alguns questionamentos: 1- Como os animais exclusivos da Austrália, Nova Zelândia e América do Sul poderiam chegar até a Arca? 2- Como Noé e sua família poderiam resolver os problemas de logística para separar predadores e presas? 3- Como poderiam manter um ambiente livre de excrementos durante todo esse tempo só com oito pessoas? 4- Como poderiam ter ventilação suficiente para manter a vida dos animais? (É bom lembrar que a Arca não tinha janela, ou melhor, só uma pequena no teto). 5- Como explicar a alimentação específica de determinados animais, como, por exemplo, os coalas que só se alimentam de folhas de eucaliptos? 6- Como manter vivos os animais que possuem ciclo de vida inferior ao tempo que a Arca ficou navegando?
Embora sem capacidade de discutir tais assuntos, os criacionistas apresentam saídas interessantes. No caso dos coalas, citam que não é conhecido se estes animais sempre foram restritos a folhas de eucalipto, ou se sua dieta mudou. Dizem que nem mesmo sabemos se os coalas existiram antes do dilúvio, ou se eles se diferenciaram a partir de um ancestral que tenha sido preservado durante o dilúvio. Possivelmente não haja um meio de obter a resposta. Será que estamos vendo uma posição evolucionista na explicação criacionista quando afirmam que os coalas poderiam se diferenciar a partir de um ancestral?
No caso dos animais da América do Sul (podemos incluir Austrália e Nova Zelândia), os criacionistas argumentam que não se sabe, mas parece provável que os animais foram dirigidos de forma sobrenatural para ir para a Arca e, quando a água baixou, da mesma forma, voltaram para suas áreas de origem. A ação sobrenatural pode ter sido obtida pela implantação de um impulso instintivo para migrar, ou pode ter sido através da ação direta de anjos. Alguns podem objetar sobre a invocação de atividade sobrenatural, mas esta é inerente a toda a história do dilúvio. Atividades sobrenaturais não implicam necessariamente violação de leis naturais, mas sim que os eventos foram dirigidos por seres de inteligência superior, acreditam os criacionistas. Com esta explicação não precisamos discutir mais nada. Foi assim porque foi! Como podem considerar plausível a ocorrência da Arca e do dilúvio partindo para o campo exclusivamente da fé? Fé não se discute. A Arca poderia ser uma canoa que pela ação divina colocou todos os animais lá dentro e ponto final. Uma bela lenda, como muitas semelhantes em vários povos.

A vida dos pequenos
Mas vamos continuar nossa discussão. Outro problema difícil de entender está relacionado a determinados vermes que são parasitas exclusivos do homem e existem outros que são exclusivos de determinados animais. Para facilitar a compreensão do problema, vamos considerar somente as verminoses humanas. É bom lembrar que só sobraram oito pessoas, portanto, todos os vermes intestinais e do sangue deveriam estar sobrevivendo nestas pessoas que estariam muito doentes. Agora vamos colocar nestas pessoas as doenças provocadas por protozoários, vírus e bactérias. Ou será que estes surgiram depois do dilúvio? Se tudo aconteceu como querem os criacionistas, como Deus poderia ser tão mal para salvar estes parasitas e iniciar um novo mundo com tantos problemas de saúde para a população humana e dos animais?

Os organismos aquáticos
Segundo os criacionistas, os animais aquáticos não precisavam entrar na Arca. Mas temos um sério problema. Se caiu chuva (água doce), caiu sobre a terra o suficiente para cobri-la. Os oceanos estariam tão diluídos que poucos organismos marinhos poderiam ter sobrevivido. O problema para a morte dos organismos aquáticos está relacionado a fatos amplamente conhecidos de osmorregulação. Sem problema, dizem os criacionistas, as "fontes do abismo", com um comando divino, devem ter expulsado sal suficiente para manter a salinidade alta o suficiente para que os organismos marinhos sobrevivessem. Agora nos deparamos com outro problema. O que aconteceu com os organismos de água doce já que eles não poderiam sobreviver em água salgada?

A vida após a Arca
Até agora só discutimos alguns problemas para a aceitação literal da história de Noé, da Arca e do Dilúvio conforme a Bíblia. Consideramos, principalmente, o que estava na Arca, a logística, sua construção e a água para tal enchente. Poderíamos criar um texto semelhante discutindo os aspectos da vida dos vegetais e sua biodiversidade, bem como a estrutura ecológica após o Dilúvio. Mas acho que não é necessário, por enquanto, entrar em tais discussões.
Os criacionistas não conseguem explicar o que teria acontecido após o dilúvio. Como um predador carnívoro estrito vai se alimentar em um novo mundo sem um número suficiente de presas? Como os grandes vegetarianos poderiam se alimentar se, provavelmente os vegetais ainda estariam brotando? Desta forma, só posso crer que estas pessoas que aceitam o literalismo bíblico e levantam suas bandeiras, estão se apoiando nas últimas amarras dos dogmas religiosos na tentativa de se manter o fôlego do moribundo. Como saída, apelam para Deus intervir e solucionar o problema, deixando claro que o Dilúvio Bíblico é apenas uma forma fácil de contar uma lenda para um povo, passando ensinamentos e exemplos para uma melhor sociedade. Segundo Whitcomb e Morris: "Que Deus interveio numa forma sobrenatural para reunir os animais na Arca e para mantê-los sobre controle durante o ano do Dilúvio está afirmado explicitamente no texto da Escritura."
A própria Sociedade Criacionista Brasileira (SCB) aponta perguntas sem respostas: Como um evento catastrófico conseguiu produzir a sequência ordenada de fósseis que é observada? Por que os fósseis na parte inferior da coluna geológica parecem tão diferentes de qualquer coisa viva atualmente, enquanto os fósseis na parte superior da coluna são mais semelhantes às espécies que vivem agora? Por que alguns fósseis se apresentam em uma série morfológica que se ajusta, de um modo geral, com a teoria da evolução? Como as plantas e animais chegaram ao local onde agora estão após o dilúvio?

Conclusão
Aos olhos da ciência é certo que não houve um único dilúvio universal, mas muitos povos guardaram a lembrança de um dilúvio local, inclusive índios brasileiros. Desta forma, devemos entender que podem ter ocorrido vários eventos isolados que tomaram as proporções bíblicas como citado. A Bíblia como um grande livro, com ensinamentos profundos não deve ser interpretada com um livro de ciência, pois não se explica cientificamente a fé. Sem ser uma pessoa religiosa, acredito que aqueles que seguem a Bíblia deveriam passar a mensagem do Dilúvio (Gênesis 6-9) da seguinte forma: Deus é santo e puro; Deus é justo e não pode deixar o mal imperar; Deus é clemente, convida à conversão antes de corrigir. O dilúvio marca o fim de um período da história religiosa da humanidade e marca o início de uma nova era. É como se fosse o início de um novo mundo, onde Deus faz aliança com Noé, o “pai” da nova humanidade. Noé é uma imagem de Cristo, que salvou a humanidade através da arca, purificando o mundo dos pecados. A Arca de Noé pode representar a figura da Igreja, onde ninguém sobreviveu fora da Arca, ninguém se salva fora da Igreja. Todos os que se salvam, mesmo que não pertençam à Igreja, se salvam por meio de Cristo e da Igreja, ainda que não saibam disso. As águas do dilúvio são figuras do batismo, que pela água dá vida aos fiéis e apaga os pecados. O dilúvio, como nova criação, prefigura “os novos céus e a nova Terra”.

Edson Perrone

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